sexta-feira, novembro 18, 2005

amo-te... um texto que escrevi numa altura em que queria fugir a poesia

Amo-te...
Ele dissera esta palavra mil vezes antes de a encontrar naquela tarde soalheira de verão.
Disse-o alto e bom som, horas antes mal se levantará pelas 7 horas da manhã. Disse-o sem temer o grito de silencio que amordaçava o gesto e lhe ocultava a luz.
Disse-o desprezando a aparência cinzenta e rancorosa dos caminhos empedrados da cidade velha e pisou-os com tal brevidade e doçura que parecia estar a var.
Talvez estivesse mesmo a voar !!!!
No fundo estava, ele por certo não se lembrará como não se lembrou até hoje de ter atravessado a avenida Marques de Pombal sem aguardar o verde do semáforo, nem de percorrido a passos largos as rua do Centro Comercial Dom Dinis pejada de gente no suplicio caustico das horas de ponta, de modo a apanhar o autocarro que o levaria a ela .
Muito menos reteve na sua memória os 3 km que percorreu a pé até chegar a casa e que só foram interrompidos donde a onde para procurar no meio da vegetação rasteira as flores bravias que ela tanto gostara e que só não chegou a colher por ter chegado a conclusão que elas eram tão bonitas e raras que seria egoísta roubar-lhes a liberdade e privar os outros do prazer de contemplarem tanta beleza, mais do que isso sabia que ela mais do que apreciar o sacrifício da beleza das flores cometido em sua honra, admiraria muito mais o facto de as poder observar ali, naquele recanto debaixo da velha árvore refugiadas num manto de urze. Assim talvez ele pudesse leva-la lá um dia, talvez aquele espaço se convertesse no santuário do seu amor.
Tão pouco ele dará importância aquela noite que passou em claro, no silêncio do seu quarto iluminado pela vela que lhe havia dedicado e que esperava que a protegesse, à procura da forma de vomitar para o papel o testemunho daquilo que não conseguia dizer por palavras mas que estava tão enraizado na sua alma e no seu coração que talvez o olhar dela, aquele olhar visionário e misterioso, mas ao mesmo tempo terno e doce ao incidir sobre o dele bastasse para que ele entendesse a força que o seu sorriso lhe transmite e o facto de estar perto dela, mesmo que apenas na alma, o deixa presente e vivo. Talvez um olhar bastasse....
Ele sabia que as palavras já estavam todas gastas, que já tinham sido mutiladas, violadas, ditas e desditas. Ele conhecia essa dimensão quase essencial que se estende para lá do verbo e do corpo, e a memória do seu coração tinha ainda presentes as chagas que a dor do verbo aprisionado e sofrido provoca mediante a impossibilidade da concretização do seu sonhar.
Ele e ela sabiam que o amor era muito mais do que a palavra pode definir. E a palavra muito menos do que a realidade só sua do sentimento que os unia.
Nas suas dores. No medo que ganhará antes de a conhecer ele aprendera que as palavras são a mera materialização dos sentimentos, elas apenas acorrentam e estrangulam o sonho.
Há tempos ele procurou alguém que lhe cortasse a língua e as mãos, só assim, através da mutilação do seu corpo teria conquistado a liberdade, mas teria também caído numa resignação negativa e amarga .... a palavra “amarga” traduzia verdadeiramente o seu cansaço e a sua desesperança, um refúgio perante a possibilidade de se voltar a dar e se perder.
Ele tinha declarado a morte do amor, tinha feito suas as frases de W. Auden em funeral Blues quando este dissera...

« ... Pensava que o amor duraria para sempre, estava errado.
As estrelas já não são precisas, apaguem-nas todas.
Empacotem a lua, desmantelem o sol.
Esvaziem os mares, varram para longe as florestas.
Nada agora pode trazer-me qualquer bem....»

Ele próprio num dos momentos em que contra a corrente do silencio a que se vetará tinha escrito num dos seus “abortos” ( os outros chamavam-lhes poemas por não conhecerem as chagas que os vomitam e se dilaceram no seu peito ) que “ a palavra amor já havia perdido há muito a voz, derramada que fora nas lágrimas de um anjo que irado partira para longe e os deixara tão sós” .
De resto ele já não poderia dizer como em criança que amava alguém até a lua, pois ela já não era aquele belo e inabalável astro que servia de guia aos marinheiros e alimentava as fábulas e os sonhos dos poetas e havia visto o seu ventre violado pelos “passos grandiosos do homem” numa supressão da fronteira do sonhar.
O seu consolo é que ninguém poderia medir ou avaliar a profundidade do seu amar, ninguém violentará as fronteiras que o unem ao seu amor e os refugiam num mundo longe da todas as mágoas e as dores.
Ele havia descoberto essa segurança, esse seu pequeno triunfo, quando andando perdido nas saudades que tinha dela, procurara encontrar-se, sem sucesso, no gole daquela bebida que havia dividido com ela na primeira e derradeira noite em que estiveram sentados a mesa juntos no mesmo bar, mas nem mesmo o estado inebriado provocado pela sucessão dos goles e das tentativas para se encontrar o afastaram da sua presença ausente. Nem sequer aquela bebida, que foi e será sempre, a bebida deles terá a mesma doçura e o mesmo sabor se não for sorvida a dois de um mesmo copo, na cumplicidade de quem partilha as almas e os sonhos.
Amo-te... foi esta a frase que ele disse novamente quando sozinho se dirigia ao restaurante da sua aldeia onde haviam combinado encontrar-se, e voltou a dize-lo quando quase sem resistir ao momento a viu aparecer de uma forma terna ao longe, bem no limiar dos seus olhos. Quando ela surgiu ele sentira-se renovado, ela preencheu-o por dentro, ela iluminou-lhe a alma e alimentou o seu sonhar enquanto conversavam os dois. Falaram dos seus medos e sonhos, teceram amarras que embalam os seus sonhares, cruzaram todos os limites para longe dos quais a solidão não se estende. Mostraram-se amigos, foram ombro e abraço, aconchego e grito. Para ele foi tanto, mas tanto que talvez sob o efeito anestésico da presença dela a palavra tenha ficado sossegada na sua garganta e ele só tenha conseguido exprimir por gestos o que sentia no momento em que se despediram...
É certo que ainda hoje não falaram sobre isso, talvez não cheguem a falar, ele transportará para sempre a palavra cravada no seu peito, talvez nunca voltará a estar tão perto de a dizer a alguém tão doce, tão sonho, tão luz .
Se a palavra amor for de facto “uma ave a tremer nas mãos de uma criança, que se serve de palavras por ignorar que as manhãs mais lindas não têm vós “. Talvez o olhar dela o aconchegue e sem medo ele venha a romper o silencio e dizer, sem medo das palavras..... AMO-TE.

5 comentários:

Inês Silva disse...

Pedro depois comento o texto...agora é so mesmo para avisar que decidi tirar os meus textos da gaveta e colocá-los num sitio onde todos os pudessem ler=) ja está la o primeiro..espero pela tua visita=)

beijos*

Inês

Inês Silva disse...

Pedro...o texto ta mt bem concebido, para quem até agora nos apresentou só poemas, tiveste uma capacidade enorme para escrever em prosa...eu sou da opiniao e, acredito que muito poucos o sejam, que por muito que se tenha capacidade para se escrever em poema(por exemplo)nem sempre se tem essa capacidade para se escrever em prosa..ou vice-versa. eu própria que escrevo à 6 anos...te digo que fiz dois poemas...porque não me sinto capaz disso, mas também sei, que no dia em que me sentir capaz, esse sentimento prolongar-se-á para sempre=)
Quanto ao texto em si...sabes o quanto vale um "amote" e acho que conseguiste demonstrar o quanto dificil é dizer um "amo-te" ou até mesmo mostrar o quanto se ama...
se eu namorei durante um anu e pc...foram poucas as x's que dixemos q nos amavamos em relaçao akilo que sentiamos..esse foi sem duvida o meu grande amor..e ainda hj me recordo dele quando ah noite olho para a lua...
tentei xplicar por exemplos meus..o que axei da prosa..espero que entendas=)

beijos

Inês

milhafre disse...

Inês, obrigado pelo teu comentário e pelo elogio. acho que parase escrever é preciso acima de tudo sentir e tu sabes que sentes.
escrevi este texto há uns tempos em homenagem a alguém a quem chamava POEMA e me chamava POETA, alguém a quem mesmo sem me ter amado, ou mesmo sem que eu lhe tivesse chegado a contar o que sentia soube estar lá e ser amiga e confidente.
Agora que o tempo passou,dedico-o aqueles que continuam a acreditar na chama viva do amor.

Anónimo disse...

gostei muito pedro... fica bem e PARABENS!! pensa q 30 anos nao é nunca o "fim" seja o q for,mas que talvez seja o cmeço de algo muito melhor. Como alguem ja tanta vez me disse "a espqrança é a ultima a morrer"... fica bem**

milhafre disse...

diana

muito obrigado pelas tuas palavras, fazes-me sentir bem.
é muito bom poder contar com a tua amizade, carinho e apoio.
beijo meigo