terça-feira, julho 30, 2019

Tinha de voltar aqui

Andava arredado deste espaço confesso…
havia qualquer coisa que me impelia a para-lo, como se aqui estivessem repousados momentos e afetos que por força do tempo e da ausência ficaram amordaçados… como se retoma-los fosse ficar refém das memórias que ao longo dos anos que escrevi aqui fui derramando letra a letra, verso  a verso.. desabafo a desabafo…
Acontece que percebi, mais por força da insistência de alguns, do que por revelação própria (sim porque nestas coisas de revelações não sou grandemente avisado, que ser inteiro era também dar continuidade a este recanto….
Dai ter voltado, não sabendo se me vão ler, não me preocupando em anunciar o regresso…
apenas a confiar no que vier….

deixo-vos um texto que escrevi no inicio de 2019 e que esteve no meu face…..
porque aqui… mais do que outro lado qualquer é o espaço dele…
para que não fique ele próprio perdido no pensamento que formulou…
chama-se perdi…
Espero que gostem.

  
Perdi sabes.

Sabes o que é sentir isso…??

Sentir que se perdeu …???

Sabes o que é perder realmente …??? perder mesmo… ???

Perder mais do que um jogo de futebol a 20 a 0..

Sentir que se perdeu a própria vida?

perder mesmo depois de sangrar os dedos a segurar a ponta da corda ao máximo… até com os próprios dentes … e mesmo assim cairmos por não nos conseguirmos suster?

Perder mesmo depois de se dar tudo por tudo, depois de se abdicar de tudo, mesmo do que se gosta, mesmo do que se é… depois de dar a pele, a carne, os ossos, o tutano, as entranhas e mesmo a própria alma ??

Perder mesmo depois do fim do palco.... depois do cerrar do pano…

 Até ficarmos vazios por dentro e por fora …

Perder mesmo depois de nos convertermos em nada para concretizar o certo e mesmo assim depois do certo falhado ficarmos com menos do que um sabor azedo amargo na boca e uma raiva a entorpecer-nos por dentro…???

- Porra para a raiva que nem mesmo ela se manifesta além de me entorpecer…

Nem para dar murros na parede serve, nem para sangrar os nós dos dedos...

Nem para, pela dor física, nos aliviar da dor…

Sabes o que atrevermo-nos a zarpar num navio??

Ousar arriscar??

Reunir as provisões da alma necessárias, reduzir todas as perdas, e depois da caminhada planeada e programada veres que, independentemente dos rumos que decidires, estás preso a uma ancora que nunca sai do cais por mais que faça esforços de manobra, como uma maquina que se ergue e dá o litro rotação a rotação sem conseguir mover a engrenagem??

Sabes o que é rever todos os passos…  passo após passo…  em busca do porquê do não avanço e sentir que mesmo depois do tudo certo e tudo feito, depois de tudo, dado, vendido, corrompido, se está exatamente onde se começou, mas desgastado….

Sentir que o peso desse desgaste nos desgasta mais que o passar dos anos… porque mesmo os anos tendem a não passar nesta engrenagem.

Como se a vida se tivesse convertido apenas nisto um chek-list obscuro de pequenos nadas concretizáveis ou não, que nunca se consegue cumprir …. Pois tudo volta a ter de ser feito depois de tudo estar feito…. E ainda por cima sem memória dos caminhos percorridos para simplificar as tarefas.

Como se não tivéssemos outro destino e outra meta do que ser náufragos à partida numa viagem sem fim a vista, onde não há rumo abrigo, ou promontório…. Apenas desgaste e esmorecimento, apenas a pele a secar por força da maresia… até o mar nos secar dos olhos…

Como se o nada e haperon fossem apenas o vácuo que fica depois de darmos o último suspiro e o nosso estomago não fosse mais do que um sorvedor dos murros psicológicos que damos em nós mesmos…

Como se não fossemos mais que autómatos á beira do caos…. Ovelhas condenadas ao abismo…

Lembras-te do desenho das ovelhas à beira do abismo, com todas as ovelhas a irem numa direção … a direção da morte e uma única ovelha no sentido contrário, com um balão de diálogo a dizer excusez moi! excusez moi! ??

Como te sentirias se te dissesse que dei tudo por tudo, que fui essa ovelha negra a ir contra a corrente, que sempre percebi que tinha que fugir do abismo….

Até ter percebido que esse rumo pseudo certo apenas me conduzia a novo abismo??

Sim do outro lado da montanha há um novo abismo… pena é que só de vê depois de dobrar a esquina e acredita demora que se farta a faze-lo….

Como se cada passo fosse um só por hoje… só por hoje… só por hoje, hoje dá mais… hoje vais entregar-te… hoje vai ser só um bocadinho de pele e sangue … só hoje vá-la…… só por hoje ….  

E o hoje não fosse mais do que um nada de futuros passados que se vão esmorecendo sem deixar raízes.

 Sabes o que é perceber que se me tivesse deixado ir na engrenagem o fim talvez fosse o mesmo, mas talvez menos doloroso, porque sempre é melhor cair no maranhal por meio de corpos e lã do que cair no vácuo.

Sabes o que é sentir que sou apenas vácuo??

Sabes o que é sentir saudades do tempo em que tinha tempo??

Tempo para ter conversas sem fim a vista?

Tempo para percorrer Lisboa de Lés a Lés, do ver filmes no ávila ao experimentar todos os sabores do Martim Moniz??

Tempo para beber um safari com sumo de laranja partilhado a dois do mesmo copo?

Tempo para acordar de madrugada e ver os caranguejos nas rochas do facho…??

Tempo para enviar flores e conseguir ir dentro da carrinha com a florista só para saber a reação de quem recebe… daquela forma genuína que não consegue ser expressada por palavras…. ???

Tempo para escrever cartas em papel e receber respostas , como se linha e folhas fossem o que eram mesmo, veiculo de almas e de afetos seladas pela saudade…

Tempo para ficar no carro a conversar horas a fio, sobre tudo e alguma coisa, como se toda a vida fosse aquele momento… porque na realidade tudo era aquele momento…

Tempo para dançar com alguém como se fosse a primeira vez que dançamos, como jamais voltaremos a dançar…

Sabes o que é ter de ter tempo para as palavras e mesmo assim elas permanecerem amordaçadas….

Sabes o que é saber que se perdem pessoas…. Como se por mais que quisesses suste-las antes da partida não tivesses outro remedio…

Sabes o que é perder pelo fim da vida dos que queremos, mas também, porque a vida de alguns ganhou engrenagens dispares sem que tivéssemos ao menos hipótese de dizer - fica!! …

Como se alguns ainda partissem por algo, qualquer coisa que fizemos, que nunca chegáremos a saber, mas que nos torna responsáveis pelo adeus.??

Sabes o quanto gostava de ter tempo para falar com quem se foi, de sentir, como sentia antigamente que tinha tempo, alma e coração para todos… como se fosse eu próprio um ninho da alma…

Fogo…. gostava mesmo de ser novamente um ninho da alma…. Daqueles ninhos que de tão puros nos lembram o colo de uma mãe???

Ehehehe “lembras-te daquela peça cómica que fizemos em eu quase perdia o tino e que os outros atores diziam “mãe… eu quero a minha mãe” ?

Até disso tenho saudades, da peça, do cómico, do colo… de ser colo que põe fim ao abismo, como se o meu abismo interior não existisse…

Perdi sabes ?

Sim …. Perdi…

Assumo …

E sabes …

A culpa é tua…

Tua..

Tu que te chamas Pedro, que tens 43 anos, que és maior, que trabalhas, que foste e és ator, que escreves, que és aprendiz das letras que dás tudo… que tens de dar tudo…

Tu que agora fazes lâminas não para ser cutileiro mas porque ao quereres sê-lo ainda te desafias , talvez porque vejas nos verdadeiros cutileiros que contigo privam verdadeiros mestres na vida e na partilha de saber e de afetos… como se o bater do aço lhes transferisse a sabedoria de quem precisa de dar tempo ao tempo para as peças saírem perfeitas.

Tua.. porque ainda não percebeste, ou talvez só agora tenhas percebido, e por isso talvez agora, só agora estejas escreve-lo que tens de parar o tempo e dedica-lo a quem realmente importa e ao que realmente importa…

 Talvez porque só assumindo as perdas e as dores... só depois de arder em cinzas.. seja enfim possível renascer, como aço que foi bruto forjado de forma sublime na tempera dos afetos …

 Talvez porque haja o que houver assumo o compromisso publico de estar agora mais presente e recuperar contacto com quem quiser recuperar contacto….

Por isso o escrevo aqui…

Para me ler e ser lido… como se assumisse o compromisso de ser farol dos outros e de mim próprio…

Não por estar mal … pois não estou mal…

Talvez porque outros como eu fiquem a saber que podem sempre recentrar-se no que importa realmente…

Talvez apenas por me ter dado para isto… por ontem me ter dado para isto….

Sem saber que para as estatísticas o dia 21 de janeiro (ontem) é por norma o dia mais triste do ano, ano após ano.,, vá-se lá perceber porque.