A escrita morre em nós à medida que os sonhos se esmorecem.
Talvez porque a cada passo que damos menos vamos encontrando
para escrever…
Como se o caminho trilhado, ou os pontos de referência que vamos
marcando no mapa da vida, mitigassem a necessidade que os escritores têm de
imaginar novos finitos, novos abismos, novos monstros e fantasmas, novos bens
ou maus perderes, amores maiores, mesmo que impossíveis de ser ou acontecer….
Talvez seja necessária essa perceção do impossível para que
surja a capacidade de criar.
Não acredito que seja o habito que tenha morto a criatividade…
é verdade que a rotina mata a a inspiração, mas não nos mata… por isso o ónus
tem de estar além disso, porque não escrever é morrer por dentro e a rotina só
nos mói.
Que perante o novo seja mais fácil escrever acredito…. Dar novos
horizontes à mente liberta a imaginação, mas eu escrevia bem melhor quando mal
saia das quatro paredes em que vivia, do que agora que até já conheci o deserto….
Não creio que talvez seja por uma falta qualquer de temas
que se assole de nós….
Afinal o dia continua a nascer, continuam a haver pores-do-sol,
nos jardins continuam a nascer flores, no céu, mesmo que em situação de
intempérie haverão sempre aves a ousar ser anjos. À nossa volta ainda que em
milhentas novas formas haverão sempre amantes e histórias para contar.
Haverão sempre lábios a querem ser beijados ainda que não
tenhamos coragem de o fazer….
Haverá sempre uma necessidade, ainda que insondável de ter a
mão erguida em defesa de outras mãos, ombros com ombros a precisar de ser
muralha, braços e corpos a pedir para ser entrelaçados.
Chegadas e partidas impossíveis de gestuar nos contornos da
pele.
Talvez seja por, para escrever, ter de haver em nós, qualquer
coisa que quer ficar mas que se sente a ir…
Uma ausência qualquer que de tão habitual nos tragasse por
dentro e nos regurgitasse no papel….
Um bem querer que se quer mais do que o real…. Quase que
como se fosse capaz de nos reinventar…
Como se para escrever tivesse de haver qualquer coisa de irrealizável
ou por realizar….
Talvez haja qualquer coisa que tem de morrer em nós por
dentro para renascer como fénix no papel….
Talvez uma necessidade imensa de olhar o vazio existente, ás
vezes para supera-lo, ás vezes para desafia-lo a comer-nos as entranhas.
Talvez seja mesmo isso… talvez para escrever tenhamos de
ousar morrer e reinventarmo-nos letra a letra, despojarmo-nos de nós mesmos
como se fossemos restolho atirado aos ventos….
Talvez precisássemos de não ter raízes….
Sim talvez o problema seja ganharmos raízes, talvez à medida
que as vamos ganhando nos preocupemos mais em consolida-las que a narra-las.
Alguém escreveu um dia que “quando não era feliz escrevia e
sonhava com todas as felicidades por acontecer…. Agora que sou feliz
preocupo-me em viver”.
Talvez seja isso… deixamos de escrever porque somos felizes….
Ou será que na realidade
simplesmente para, pela escrita não fazermos nascer em nós o Calígula de Albert
Camus, para que nunca tenhamos de afirmar “os
homens morrem e não são felizes” … "O mundo assim como está não é
suportável, por conseguinte, preciso da lua, da felicidade ou da imortalidade,
de qualquer coisa que seja loucura, talvez, mas que não pertença a este mundo."
Talvez seja por isso… Porque não queremos parecer loucos …
Afinal é verdade que há um pouco de loucura nessa senda de
derramarmo-nos no papel.
2 comentários:
Boa! Fico feliz por te saber entregue novamente às palavras que saem de tua mente como bálsamo para dias menos prazerosos. Todos temos dias assim e saber que não estamos sós nesse sentido pode ser deveras reconfortante.
Está lindo! Gosto muito do sentido e da profundidade com que escreves.
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