terça-feira, agosto 13, 2019

Amizade

Há cerca de um mês sugeriram-me que na minha escrita falasse da amizade ….
Não percebi no inicio porque hesitei em faze-lo, não entendi a minha recusa, quase à partida para faze-lo em poesia….
A pessoa que me sugeriu esse tema está no fulgor dos tempos, é uma fabulosa aprendiz da vida e sabe a intensidade dos abraços e sorrisos que dá, da mesma forma que conhece a energia dos seus cabelos revoltos mas magníficos…
O quanto ela, os cabelos e os abraços são aconchego…
É AMIGA por inteiro e não foi por não saber o que é amizade que ela me pediu para escrever sobre isso.
Essa pessoa é um espirito livre… solta, intensa na amizade e na entrega… sabe o valor do sonho, mas sabe que os sonhos só conseguem ser alcançados se em conjunto… sabe que importa não deixar ninguém para trás, e não o faz, nas várias áreas e dimensões da sua vida.
Acredito que irá ser assim sempre, pois creio que não irá deixar o passar dos anos vergarem-lhe o intento….
Será com certeza uma escritora magnifica, porque quer aprender e porque há nela tanto de pureza como de entrega e acredito que aos olhos dela o mundo dificilmente será cinzento ou amorfo…   por isso da escrita dela, quando aprender a verter as flores da alma para o papel nascerá sempre algo de esperança, algo de aconchego.
Talvez por isso tenha resistido a escrever sobre a amizade em poesia….
Porque a poesia obriga a uma coerência mesmo que na incoerência, e é para mim difícil falar sobre a algo livre dentro da prisão das estrofes.
Espero que essa pessoa não se sinta defraudada por lhe responder desta forma ao desafio lançado.
Ontem outro alguém que estimo muito, alguém que é também guerreira até ao tutano, alguém que é viajante e ávida de sonhos, alguém que é (mesmo para mim… eu que sou guerreiro habituado nas desmandas da vida, eu que tantas vezes não quebro), um magnífico exemplo de superação não só por tudo o que passou, mas também por toda a sabedoria e essência com que o fez, falou-me mais uma vez da vida, demonstrado mais uma vez a sua essência, mas desta vez fê-lo não guerreira como me habituei a vê-la, não plena e quase hercúlea como me habituei a senti-la… mas cansada…. Quase como se o cansaço fosse não físico mas interior, quase como resignação.
Dizia ela que às vezes a vida em geral é triste … que “a maioria das pessoas vive aprisionada a vida toda na rodinha do rato e não se questiona... vivem para ganhar dinheiro, por este ou aquele motivo … e no fim da linha vai –se a ver nunca viveram  … porque estiveram sempre ali e não saíram do lugar…”   
Dizia ainda essa pessoa que “ter essa consciência era triste” e que não sabia se as outras pessoas a tinham ou se era ela que “pensava demais….”
Essa pessoa não sabe que tenho lido e relido as mensagens que me mandou ontem…
Sabe o que lhe disse, que o que ela escreveu me remeteu logo para Albert Camus e para o seu Calígula, que citei no último texto que escrevi…
Soube, porque lho disse, imediatamente, ainda que que de forma não estruturada, que  quase como ela, o Calígula de Camus, disse a Hélicon “os homens morrem e não são felizes” .
Que o personagem de Camus como ela refletia sobre o facto dos outros saberem ou não isso. Questionava aliás sobre … como é que sabendo isso eles não deixavam de comer ou dormir??….
Que, como ela, Calígula manifesta a necessidade de espaços abertos, “da lua ou das estrelas” … 
Saberá ela antes de vocês, porque a citei e como tal é justo que ela saiba antes e autorize a contar-vos… que o pensar dela não é um “pensar demais”, nem é como a viu Camus um misto de loucura ou de absurdo, mas de forma clara,  algo que é indispensável à vida, quase como uma condição de sobriedade que vem da essência das coisas…
Que ela, como eu, como Camus, como Hemingway e aliás como muitos de vocês, que às vezes, tantas vezes nos sentimos a ir… como se “estarmos a ir” fosse condição essencial para se ser, como se ser feliz fosse qualquer coisa de inatingível e não concretizável.
Somos o que somos se nos questionarmos, se almejarmos ás coisas simples, se nos atrevermos a sonhar com o infinito….
Se respeitarmos o ínfimo das pequenas coisas….
Se não nos rendermos ao vazio…
Se não ousarmos viver ante e além da dor…
Perguntar-me-ão o que é que estar a ir, a loucura, em suma toda a parte final do meu desabafo tem a ver com a amizade e com a pessoa que me desafiou a escrever sobre esta tema….
Pois bem à primeira vista nada e no ínfimo tudo… a verdade é simples… na vida ou na morte só se perpetuam os laços que mantermos, os bons gestos que fizermos, os sorrisos que ajudarmos a florir nos rostos dos que passam por nós…
Só essas pequenas grandes coisas são, depois da nossa morte, as marcas que deixaremos, as memórias que restarão de nós… a nossa quase sublime eternidade… talvez o único fértil e desafio à nossa finitude.
São em vida esses pequenos gestos, nos nossos encontros e desencontros, na nossa entrega ao próximo e ao outrem, as nossas pequenas âncoras, o último baluarte que nos impede de andar definitivamente à deriva, a boia que nos permite irmos e voltarmos ao vazio.
Se há algo que aprendi na vida é que a boia que nos impede de ir e voltar no fio da vida é precisamente a amizade….
É ela que por ser imensa nos liberta para podermos voar,
Por ser solta nos dá lastro….
Por saber o valor dos abraços nos mantém no corpo…
Por nos recordar nos faz presente….
É ela que por estar lá, como farol .. nos permite reencontramo-nos mesmo quando nos perdemos…
Que sabe o valor de uma lagrima e o por isso sabe que elas só devem ser despejadas no aconchego dos ombros…
Que a vida só faz sentido no aconchego dos ombros para que possamos sem medo viver ao máximo, cultivar afetos, viver mil viagens interiores sem medo de nos esfumarmos….
Porque eu não era o mesmo hoje se não vos tivesse conhecido…
Porque nenhum de nós seria o mesmo sem as marcas de bem querer de quem passou por nós.

Por tudo isso, e por tudo o mais que for preciso, obrigado pela vossa amizade.
 

4 comentários:

Miguel Franco disse...

ADOREI!!!
Com Prosa assim, quem precisa de Poesia...??
(brincadeirinha)

Grande abraço Pedro.
��

Marta Pinto disse...

Lindo!!! Aquela frase clichê mas que eu adoro “ os amigos são a família que escolhemos”, está perfeitamente ilustrada neste teu texto. Adoro a forma como ilustras a expressão da amizade e da eterna reflexão sobre o sentido da vida ����

MJM disse...

"Por saber o valor dos abraços nos mantém no corpo…"

Um abraço gigante para ti!
Que palavras lindas sobre a Amizade.. é um tema que merece ser inspiração da escrita, porque pode gerar tantos sentimentos de carinho e amor.
Obrigada, escritor, por criares esses sentimentos em mim.

MJM disse...

"Por saber o valor dos abraços nos mantém no corpo…"

Um abraço gigante para ti!
Que palavras lindas sobre a Amizade.. é um tema que merece ser inspiração da escrita, porque pode gerar tantos sentimentos de carinho e amor.
Obrigada, escritor, por criares esses sentimentos em mim.