terça-feira, agosto 18, 2009

loucura .. segundo Albert Camus

CALÍGULA: - Pensas que estou louco.

HÉLICON: - Bem sabes que nunca penso. Sou demasiado inteligente para tal.

CALÍGULA: - Bom. Enfim! Mas não estou louco e até nunca fui tão razoável. Simplesmente, senti em mim um súbito desejo de impossível.
(pausa)
As coisas, tal como estão, não me parecem satisfatórias.

HÉLICON:- É uma opinião bastante difundida.

CALÍGULA: - É verdade, mas antes não o sabia. E agora sei.
(Sempre natural.)
O mundo, assim como está, não é suportável. Por conseguinte, preciso da lua ou da felicidade, ou da imortalidade, de qualquer coisa que seja loucura, talvez, mas que não pertença a este mundo.

HÉLICON: - É um raciocínio lógico, mas geralmente não se pode levar até o fim.

CALÍGULA: (erguendo-se, mas sempre com simplicidade)
- Isso é que tu não sabes. Não se consegue nada precisamente porque nada se leva até o fim. Mas talvez baste levar a lógica ao extremo limite.
(encarando Hélicon)
Bem sei o que estás pensando. Tanta história pela morte duma mulher! Não, não se trata disso. Parece-me recordar, é certo, que há dias morreu uma mulher que eu amava. Mas que é o amor? Pouca coisa. Essa morte não é nada, juro; é apenas o indício duma verdade que me torna a lua necessária. É uma verdade clarissima, ate simplória, mas difícil de descobrir e dura de suportar.

HÉLICON: - E que verdade é essa, Caio?

CALÍGULA: (voltado para o lado e em tom neutro)
- Os homens morrem e não são felizes."


Albert Camus, Calígula

3 comentários:

Tudo de mim. Ou quase. disse...

Sinceramente nem sei bem que dizer... o comentário caiu qual bomba e deixou-me algo atordoada. As palavras tenho-as cá, a formigar na ponta dos dedos, a percorrer a mente. Na simplicidade de algumas palavras que me enviaste, consegui encontrar parte da explicação. A razão, o porquê da minha loucura...

Continuarei a preferir a complexidade das coisas simples.

Bem-hajas pelo comentário. Absolutamente divino, o excerto.

Beijo.

Tudo de mim. Ou quase. disse...

Então esqueçamos os agradecimentos e fiquemo-nos pela partilha.

Foi a minha vez de, agora, folhear um dos meus livros preferidos e que tenho arrumado na estante, nem que seja pelo prazer de saber que ele está ali.

"LOUCURA
A loucura, longe de ser uma anomalia, é a condição normal humana. Não ter consciência dela, e ela não ser grande, é ser homem normal. Não ter consciência dela, e ela ser grande, é ser louco. Ter consciência dela, e ela ser pequena, é ser desiludido. Ter consciência dela, e ela ser grande, é ser génio.

LUCIDEZ
A lucidez só deve chegar ao limiar da alma. Nas próprias antecâmaras do sentimento é proibido ser explícito."

Fernando Pessoa
O Eu Profundo

Tudo de mim. Ou quase. disse...

Não me agradeças nada, repito.
Limita-te a aceitar e partilhar aquilo que queiras.

Hoje encontrei algo mais, perdido no meio de folhas de um livro...

" O génio é a insanidade tornada sã pela diluição no abstracto, como um veneno convertido em remédio mediante mistura".

Beijo.