Estou velho sabes... sinto-me velho... não por me sentir fora do tempo, não pelo peso do corpo, não pelo desfigurar da face.. não são os anos que pesam, não é o corpo que desilude... o que pesa é o baú de recordações que vou trazendo comigo..... o baú de sonhos realizados e por realizar... o baú de partilhas... o baú de entregas .
Não eu já não guardo religiosamente as cartas que escrevo, já não guardo pétalas de flor, pedrinhas, ou mesmo aquele rabisco teu que encontro naquele livro que me pediste emprestado...
Já não faço colecção de citações que me tocaram... nem de vestígios de situações que me fizeram viver...que me fizeram sonhar...
Com o passar dos anos aprendi que o verdadeiro baú de recordações não é material, descobri que ele está dentro de nós... na lembrança das pessoas, eventos, lugares ou momentos que residiram na minha alma e que a moldaram tornando-a diferente...tornando-a melhor... as vezes sofrida... mas melhor.
Descobri que não é por termos a musica X.P.T.O ou as fotografias do baile Z que esse baile vai ser lembrado, que não foi por ter aquele fio de cabelo que ficou no meu ombro depois de dançarmos.
Não, não ficou. Foi pena...
Não foi por isso que nunca mais me irei esquecer daquela noite em que vieste ter comigo e me convidas-te para dançar, o que ficou em mim foi o teu olhar quando o fizeste... foi o bater mais forte do meu coração... foi aquela sensação de por segundos voar a teu lado... acredita...senti-me a voar... voei mesmo.
O que ficou foi a magia desse momento... foi o facto de teres dançado comigo, de me teres honrado com isso, e também o saber que nunca mais dançamos..
Falar da ultima vez que dançamos, fez-me perceber que nos dias que correm as pessoas chamam “dançar” a estar frente a frente na multidão, sem sequer se tocarem... sem saberem o quanto é magico dançar o “waiting for you” com a pessoa amada poisada no ombro, o quanto pode ser sensual e sedutor dançar um tango a dois, sobretudo naqueles momentos em que os lábios roubam a rosa dos lábios do ente querido...
Hoje quando me dizem que depois do jantar é para se ir dançar vai-se sempre para uma sala escura cheia de pessoas aos saltos para cima e para baixo...
O que é engraçado e trágico é que essas salas estão cheias de raparigas a dançar ao lado das cadeiras onde os namorados estão sentados, simplesmente porque eles já não dançam... Sim eu sei que nós homens portugueses sempre fomos um bocado rabo pesado... mas no meu tempo mal ou bem todos dançavam, não dançar era ficar sozinho.. Era ver a festa da cadeira... e ninguém queria ver a festa da cadeira ..acredita.. .
Talvez por isso organizar um baile de anos era algo elaborado a preceito, algo que implicava muita reflexão, as vezes filosofia, com certeza muita psicologia... Fazíamos uma lista de “elas” e outra de “eles“, em igual número, que era para não colocar ninguém na cadeira previamente, apresentávamos as pessoas umas as outras, sem insistirmos em quem ficava com quem, mas sempre tendo em conta personalidades compatíveis, colocávamos lâmpadas pintadas de vermelho e azul no lugar das lâmpadas normais e depois era soltar a música..
Primeiro colocava-se um rap ou breack dance para aquecer, depois uma lambada, o “tengo um coraçon” do Juan Luis Guerra ou mesmo a banda sonora do “Dirty dance”.
Aos poucos ia colocando um slow para facilitar o convívio. ... uma hora depois era slow atrás de slow, era ombros nos ombros... era ver que o plano resultou...
É ver que ainda hoje resulta... sim... porque alguns dos pares ainda hoje dançam juntos, talvez não em bailes, mas na vida, alguns namoraram, casaram, tiveram filhos... e tudo porque um dia alguém, muitas vezes eu, se lembrou de chamar z para dançar com y, por achar que havia um clima entre eles... e não é que havia mesmo!
Perguntas-me porque raio é que o dançar me fez sentir velho... porque é que a conversa da velhice levou a ti e tu levaste ao modo como se dança actualmente...
Sim eu sei que tu não danças, que tu e eu nem sequer vamos a discotecas... que tu e eu só dançámos uns segundos uma vez...
Mas sabes, este fim de semana fui a uma discoteca ver um concerto da banda de um velho e grande amigo e depois do concerto ficamos lá a dar um pé de dança.
Sim passou-se o que se passa sempre, eram 2 rapazes e umas 8 raparigas na pista a dançar e outras tantas a abanar a cabeça junto dos namorados que estavam nas cadeiras hirtos como estátuas... E isso fez-me ter saudades dos tempos antigos, fez-me ir buscar o pessoal as mesas como antigamente, fez-me leva-los para a pista até que todos dançassem e fez o disco jockey colocar musicas brasileiras atrás de brasileiras. Atéao fim da noite..
Sim foi giro... admito-o ... foi pena sentir que não estavas comigo... sentir que mesmo que não queiras havia um pedaço de mim que me faltava...
Se os sonhos são o que nos move no “eterno camino de la felicita”, quem sabe talvez me seja permitido sonhar que estou a dançar contigo uma vez.. quem sabe com a tua cabeça no meu ombro.
1 comentário:
tenho saudades das danças e das festas da tua casa.
era engraçado como havia sempre namoricos depois.
Bons tempos.
foi bom recordar.
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