terça-feira, maio 18, 2010

O poeta morre

o poeta morre..

no final de um verso

no vazio das linhas

num interregno da alma

quando o poema deixa de ser sonho

e passa a ser palavra

o poeta morre

quando as cicatrizes

se converterem em chagas

e deixarem de ser marcas de viagem

quando a dor deixar de nos derribar

por já não nos sentirmos cair

o poeta morre

quando o canto deixar de ser sopro

e passar a ser pranto

quando o grito se tornar vácuo

quando a revolta se conformar na apatia

quando nada mais puder doer além da dor

o poeta morre

quando os lábios deixarem de se morder só por querer tocar-se

quando os corpos se esquecerem de gestuar

quando braços e costas deixarem de saber entrelaçar-se

o poeta morre

quando o amor deixar de ser cantado

quando o sonho tiver perdido a memória

por deixar de ser querido

quando a opressão de tão habitual

deixar de revoltar

O poeta morre

quando o pássaro em nós se esquecer de ser Fénix

e não tiver outro remédio além de zarpar da alma

quando os viajantes que somos deixarem de inspirar outras paisagens

o poeta morre

quando nada, mas mesmo nada precisar de ser cantado...

quando a esperança morrer

quando deixar de fazer sentido ser essência

quando o sonho deixar de ser sonhado

o poeta morre

quando a criança que mora nos poetas se tornar um autómato

quando o coração se converter em pedra

quando tudo se desfizer na areia do tempo

e não tivermos nada para cantar além do vazio

e o vazio esse desistir de se encher de palavras

2 comentários:

Maria disse...

Fantástico este poema!
Não deixes nunca de escrever...

Anónimo disse...

Bem, que senhor poema!
"e o vazio esse desistir de se encher de palavras", pois... infelizmente acontece-me muitas vezes.

Fico à espera do próximo,
Beijo.