o poeta morre..
no final de um verso
no vazio das linhas
num interregno da alma
quando o poema deixa de ser sonho
e passa a ser palavra
o poeta morre
quando as cicatrizes
se converterem em chagas
e deixarem de ser marcas de viagem
quando a dor deixar de nos derribar
por já não nos sentirmos cair
o poeta morre
quando o canto deixar de ser sopro
e passar a ser pranto
quando o grito se tornar vácuo
quando a revolta se conformar na apatia
quando nada mais puder doer além da dor
o poeta morre
quando os lábios deixarem de se morder só por querer tocar-se
quando os corpos se esquecerem de gestuar
quando braços e costas deixarem de saber entrelaçar-se
o poeta morre
quando o amor deixar de ser cantado
quando o sonho tiver perdido a memória
por deixar de ser querido
quando a opressão de tão habitual
deixar de revoltar
O poeta morre
quando o pássaro em nós se esquecer de ser Fénix
e não tiver outro remédio além de zarpar da alma
quando os viajantes que somos deixarem de inspirar outras paisagens
o poeta morre
quando nada, mas mesmo nada precisar de ser cantado...
quando a esperança morrer
quando deixar de fazer sentido ser essência
quando o sonho deixar de ser sonhado
o poeta morre
quando a criança que mora nos poetas se tornar um autómato
quando o coração se converter em pedra
quando tudo se desfizer na areia do tempo
e não tivermos nada para cantar além do vazio
e o vazio esse desistir de se encher de palavras
2 comentários:
Fantástico este poema!
Não deixes nunca de escrever...
Bem, que senhor poema!
"e o vazio esse desistir de se encher de palavras", pois... infelizmente acontece-me muitas vezes.
Fico à espera do próximo,
Beijo.
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