sexta-feira, abril 28, 2006

amar .. por carlos drumond de andrade

Que pode uma criatura senão,

entre criaturas, amar?

Amar e esquecer,

amar e mal-amar,

amar, desamar, amar?

Sempre, e até de olhos vidrados, amar?



Que pode, pergunto, o ser amoroso,

sozinho, em rotação universal, senão

rodar também, e amar?

Amar o que o mar traz à praia,

e o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,

é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?



Amar solenemente as palmas do deserto,

o que é entrega ou adoração expectante,

e amar o inóspito, o áspero,

um vaso sem flor, um chão de ferro,

e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina.



Este o nosso destino: amor sem conta,

distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,

doação ilimitada a uma completa ingratidão,

e na concha vazia do amor a procura medrosa,

paciente, de mais e mais amor.



Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa

amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.



CARLOS DRUMOND DE ANDRADE

segunda-feira, abril 24, 2006

O amor

Para aqueles que amam...

Para os que sonham e vibram com a vibração que só esse sentimento dá.

Para os que trazem alguém na alma, memórias de alguém, da essencia de alguém, do cheiro de alguém, do viver de alguém, cicatrizes da presença do corpo de alguém deixadas na cama, no corpo, ante e além da pele , vestigios da partilha dos sonhos de alguém, mais ou menos presentes, chagas doces mais ou menos profundas e saradas.

Para aqueles que amam e são correspondidos. Porque ainda acreditam, porque apregoam o amor aos sete ventos, porque beijam, porque se dão, porque se embalam a dois no marasmo dos dias, porque se entregam.

Para aqueles que amam, mesmo sem terem coragem de dizer, porque sonham, porque se projectam, porque choram, porque suspiram, porque sentem, porque sabem o quanto vale um beijo o quanto ele é bom, e sabem o quanto custa sentir que o beijo fica por dar, o quanto custa ter a palavra amo-te a flor da pele sem que ela alcance os dias e mesmo assim se atrevem a estar lá, a serem fies a pessoa amada, e mesmo assim sonham com ela e davam a vida por ela.

Para aqueles que amaram e sofreram tanto que já não querem amar... porque uns e outros fomos todos pelo menos uma vez na vida parceiros nessa dor... na esperança de que num virar de esquina qualquer reencontrem de novo a luz.

Para os que nunca amaram, porque não foram, não são capazes de descrever este ganho que é vida, que é grito, que é essencia que é sorriso, que é também perda, suplica, desespero, lágrima... vida, quer essa vida nos escape ou não por entre os dedos... simplesmente porque nunca foram capazes de se deixar dar, deixar-se morrer aos poucos, para renascer em algo mais forte mais intenso... esperando que nunca venham a sentir a dor da ausência, a dor que é não saber o que é adormecer ao lado de alguém, tomar banho com alguém, chorar no ombro de alguém.

Para os que gozam com o amor que lhes é dado, para os que o usam, para os que traem, para os que pisam...temendo que a vida um dia se revolte contra eles e experimentem o mesmo remédio.


Para mim, que sei o que quero, que sei o que sinto, que sei quem amo, que o demonstro em tantas formas, que escrevo o amor, que sou dilacerado por ele, que sei o que perco por não beijar, mas que não consigo dizer a pessoa amada que o faço simplesmente porque as palavars já estão gastas.


... Deixo-vos um poema de Florbela Espanca... talvez o mais belo poema que conheço sobre o AMOR.




Amar!
Eu quero amar, amar perdidamente!
Amar só por amar: aqui... além...
Mais Este e Aquele, o Outro e toda a gente...
Amar! Amar! E não amar ninguém!
Recordar? Esquecer? Indiferente!...
Prender ou desprender? É mal? É bem?
Quem disser que se pode amar alguém
Durante a vida inteira é porque mente!
Há uma primavera em cada vida:
É preciso cantá-la assim florida,
Pois se Deus nos deu voz, foi pra cantar!
E se um dia hei-de ser pó, cinza e nada
Que seja a minha noite uma alvorada,
Que me saiba perder... pra me encontrar...
Florbela Espanca

sexta-feira, abril 21, 2006

Bom fim de semana

«Descobri que o principezinho estava cheio de sono, peguei-lhe ao colo e recomecei a andar. Eu ia comovido, parecia-me até que não havia nada mais frágil a face da terra. Contemplava, à luz do luar, aquele rosto pálido, aqueles olhos fechados, aquelas mechas de cabelo a tremer ao vento e pensava: “ O que eu estou a ver não passava de uma capa. O mais importante é invisível....”
Desenhara-se-lhe um vago sorriso nos lábios entreabertos e eu pensei “o que me comove tanto neste principezinho adormecido é a sua fidelidade a uma flor, é a imagem de uma rosa que, mesmo quando ele dorme, brilha lá dentro como a chama de uma vela.” E ele pareceu-me ainda mais frágil. Porque, às velas, é preciso protege-las: mal lhes dá o vento apagam-se. »
Antoine Saint-exupéry in O principezinho

Espero que a vela de luz que mora nas vossas almas se mantenha sempre acesa e que possam ser sempre fiéis as vossas rosas, aos vossos sonhos.
Acima de tudo espero que na vida nos possamos ir conhecendo melhor, uns aos outros e nós mesmos, para que possamos ir cruzando as nossas fragilidades e assim ir tendo coragem para suportar.

quinta-feira, abril 20, 2006

Homenagem a Samuel Beckett

Hoje deixo-vos dois textos de Beckett
Porque passaram 100 anos e alguns dias desde o seu nascimento.
Porque poucos sabem dizer tão bem como ele a vida e o sonho e sabem, tecer a vida levando-a das letras ao palco.
Porque o meu encenador e amigo joão lázaro ofereceu o "à espera de Godot" ao meu também grande amigo Fernado e como um e outro tem bom gosto, tive vontade de reler beckett.
Porque...simplesmente porque gosto.

"As lágrimas do mundo são inalteráveis.
Para cada um que começa a chorar, em algum lugar outro pára.
O mesmo vale para o riso...»

In à espera de Godod


É o Fim que Confere o Significado às Palavras.
Apenas as palavras quebram o silêncio, todos os outros sons cessaram. Se eu estivesse silencioso, não ouviria nada. Mas se eu me mantivesse silencioso, os outros sons recomeçariam, aqueles a que as palavras me tornaram surdo, ou que realmente cessaram. Mas estou silencioso, por vezes acontece, não, nunca, nem um segundo. Também choro sem interrupção. É um fluxo incessante de palavras e lágrimas. Sem pausa para reflexão. Mas falo mais baixo, cada ano um pouco mais baixo. Talvez. Também mais lentamente, cada ano um pouco mais lentamente. Talvez. É-me difícil avaliar. Se assim fosse, as pausas seriam mais longas, entre as palavras, as frases, as sílabas, as lágrimas, confundo-as, palavras e lágrimas, as minhas palavras são as minhas lágrimas, os meus olhos a minha boca. E eu deveria ouvir, em cada pequena pausa, se é o silêncio que eu digo quando digo que apenas as palavras o quebram. Mas nada disso, não é assim que acontece, é sempre o mesmo murmúrio, fluindo ininterruptamente, como uma única palavra infindável e, por isso, sem significado, porque é o fim que confere o significado às palavras. "

in 'Textos para Nada'


espero que estes textos vos agradem tanto como a mim.
PARABENS BECKETT....

segunda-feira, abril 17, 2006

sentir... talvez ainda a propósito das flores

Os sentimentos
São como as flores
Precisam conhecer
a luz do dia

se isso não acontecer
existirão para sempre
mas ficarão aprisionados
em vitrines ou estantes

serão muito mais belos,
puros e verdadeiros
mas nunca .... nunca
criarão raízes

sexta-feira, abril 14, 2006

boa páscoa amigos






















que o sonho vos ilumine sempre .

quinta-feira, abril 13, 2006

coisas que pensei hoje....

Há coisas que acontecem assim, ontem deitei-me com uma luz no coração e sem saber porque passei a noite em claro, deixei-me sem motivo de maior, sem qualquer razão especial para tal, observar a noite e o nascer do dia pelas friestas da persiana que me tinha esquecido de fechar,.
Fiquei quedo e deitado a ver as cores que iam surgindo pelos buraquinhos da persiana, os laivos de luz que invadiam o tecto de quando e que se prolongavam depois para dentro da porta entreaberta do armário do meu quarto, como se buscassem refúgio.
Confesso-vos que na cama me deixei viajar pela interrogação de quem seriam as pessoas que passavam na rua aquela hora da noite, confesso-vos que em alguns casos imaginei enredos secretos, mesmo proibidos, vidas misteriosas como só podem ser as vidas de quem anda na estrada as 3 ou 4 da manhã, imaginei para onde iriam, se teriam alguém à espera, se quando regressassem, onde quer que fossem, iriam sentir-se em casa, se poderiam ao contrário de mim sentirem-se num porto de abrigo e abraçarem o legado de orfeu.
Mais tarde fui-me apercebendo do clarear do dia, do toque laranja do sol e da forma como pouco a pouco o céu ia ficando azul e fui libertando os meus ouvidos ao ponto de testemunhar o cantar de um velho galo das redondezas e de sonhar dançar ao som do chilrear dos pássaros.
Depois e porque o trabalho não perdoa as noites mal dormidas levantei-me da cama e sai à rua com uma vontade de pisar suavemente cada pedrinha da estrada, como se as quisesse saudar... e fi-lo como se percorresse aquele espaço pela primeira vez, como se não fosse uma rotina diária, estática, amorfa.
No trabalho, antes da porta abrir dei por mim a pensar em algumas frases que o Miguel do teato diz na peça por um tempo ainda, e atrevi-me a brincar com elas, com a ajuda da transcrição que a Catarina fez para o blog dela, numa brincadeira que originou o texto que se segue... pois a brincar a brincar, aprende-se a dizer tudo...




Porque quer queiramos quer não no dia a dia .... “ Atravessámos paisagens de interesse desigual, aturámos enxames de pessoas e, entre risos e lagrimas e cantos e silêncios, rastejámos por esse tubo de ensaio, o Universo, que um velho louco ou sábio ou distraído, mas seguramente bastante decrépito, empunha, em suas mãos tremulas, descarnadas”.
Talvez porque as vezes achamos os outros autómatos “ porque eles teimam em agarrarem o tempo e não abrem as mãos, deixando a areia correr, livre, livremente, por entre os dedos” mas acabamos por descobrir que somos tão autómatos como eles.
A vida ensinou-me que “é sempre bom desconfiarmos das palavras” e que “para ganhar pode ser preciso perder tudo...Pois não terá ido mais longe aquele que tudo perdeu?” e não será o nada a libertação suprema para podermos abraçar tudo ???
Porque invariavelmente “a história incita-nos a esperar diariamente o impossível agarra-lo pelas orelhas, é o nosso privilégio” .
Descobri que “nos jogos de Amor, ganha aquele que for mais longe” pelo que tenho de começar a deixar os sentimentos vir a luz do dia até porque “ é sempre bom abraçar alguém” mesmo que “seja da natureza dos encontros serem breves” .
Cheguei a conclusão que é tempo de arriscar o tudo, pois mesmo que o dia seja mau e “nas ruas corra um vento agreste. Às vezes faz calor”, e com o calor, há sempre um sopro de esperança, simplesmente porque “ quem sabe .... Pode ser primavera”

domingo, abril 09, 2006

voltei

porque a catarina e o lorenzo me mostraram o quanto este espaço é importante para mim...
porque sei que a tania, a rita, a py, a mauy, o bruno e a carla vão gostar.
porque a sónia está sempre do meu lado e me conhece melhor do que eu.
porque este silencio me estava a deixar infeliz
porque ainda há esperança de chegar a luz.
ou porque precisava apenas de gritar...
deixo-vos um poema de eudoro augusto chamado luna de lupe.
bem ajam


Quero mais não.
Estou meio over de emoção.
Estou sem aquilo que chamam estrutura
pra amortecer esta aflição,
esta fissura.
Meu corpo é um barco sonolento
e falta vento
pra me levar a outra ilha.
Outra razão, outro delírio,
outro luar de vampiroà procura de um irmão.
Pode parar:
a noite é escura.
Não quero o copo de água pura
que você bebe em minha turva solidão.
Quero mais não.
Hoje me sobra emoção.
Sobra verdade, falta força, sobra sangue.
Hoje eu vou dormir no mangue
que outros chamam coração.
Pode parar.Virou bocejo, era tesão.
Você jamais deu boa vida ao meu desejo,
foi pouco sim pra muito não.
E agora chega.
Deixa rolar mas nunca esqueça
de virar minha cabeça:
eu amo sempre
o lado errado da paixão.


In: AUGUSTO, Eudoro. O desejo e o deserto. São Paulo: Massao Ohno, 1989. Poema integrante da série Ventura.